Nova Lei de Mediação

Por Dionara Oliver Albuquerque, Mediadora e Instrutora Judicial Certificada pelo NUPEMEC/TJRS.

26 de dezembro de 2015. Data histórica para o Brasil. Entrou em vigor a Lei nº 13.140, chamada Lei Mediação.
Para um país que vive o primado da lei, não poderia ser diferente. Até pode soar paradoxo. Vige a Lei que faculta a resolução de conflitos, não com provas, erros, acertos, passado, atribuição de culpa, teses jurídicas e fundamentos legais, propriamente ditos. Os conflitos podem ser resolvidos com base no diálogo, dentro de uma visão prospectiva, sendo facilitados por um Mediador, terceiro neutro e imparcial, devidamente capacitado. O Mediador tem dever de sigilo, de imparcialidade e obediência aos demais princípios do Código de Ética dos Mediadores Judiciais, sob pena de responsabilidade civil e penal. Ele jamais pode opinar acerca de uma solução. O espaço da mediação não é cenário para soluções rápidas, impensadas, sem análise do custo-benefício, sem uso de ferramentas como teste de realidade, escuta ativa, compreensão recíproca, entre outras.
Um dos principais papeis dos Mediadores é auxiliar os usuários no desenvolvimento de suas habilidades comunicacionais, para que expressem suas metas e interesses de forma que fiquem empoderados, fortalecidos.
É um processo artesanal. Construído pelos próprios interessados, capazes, que, a final, vivenciam o conflito e seus resultados. A legislação serve apenas como moldura para não ser entabulado entendimento ilegal, o qual, certamente, o medidor deve negar-se a reduzir a termo (uma das exceções ao sigilo) e tampouco passível de homologação judicial, será.
Assim, rumamos à busca da Paz, pois, que a mediação é um recurso para a Paz das pessoas, para suas satisfações, é indubitável.
Quanto à "Paz Universal", é um assunto amplo e complexo.
Mas falando-se nela, na Paz Universal, macro, se esse for o interesse, o objetivo, a meta, a Mediação pode ser um recurso, uma ferramenta a ser permanentemente praticada, explorada e valorizada, até mesmo porque a humanidade clama por Paz, diante de todos os tipos de conflitos e ameaças.
Por outro lado, sabemos que os conflitos são inevitáveis nas interações sociais. Entretanto, se compreendido o conflito como fonte propulsora de transformação construtiva, capaz de conferir paz e bem-estar social, possível que a educação, o empoderamento das pessoas, que, habilitadas e capacitadas para dirimir suas controvérsias, acabe por se perpetuar em nossa sociedade, provocando profundas e positivas alterações sociais, de forma globalizada, a exemplo do que ocorre em comunidades menores, onde desenvolvem, inclusive, capital social.
Nesse novo paradigma, não é necessário que todas as pessoas concordem entre si, seja em questões culturais, filosóficas, étnicas, políticas, religiosas ou qualquer outro tema, mas, simplesmente, que respeitem-se mutuamente, o que possibilita a coexistência pacífica, mesmo na diferença.
Revisitando antigas culturas, encontramos a mediação nas mais diversas comunidades, sejam judaicas, islâmicas, cristãs, hinduístas ou budistas, onde era comum que líderes religiosos desempenhassem o papel de mediadores, resolvendo diferenças civis e religiosas.
Na civilização Maia, por exemplo, há registros de que os conflitos eram resolvidos pacificamente, com o objetivo de manter o equilíbrio e a paz. Utilizavam o chamado "juego de pelotas" para dirimir as controvérsias (in Tesis de Viridiana Díaz Gonzáles, "Los Mayas su gestión de Conflictos, su aproximación con la Justicia Restaurativa y Etnias de América, 2015).
Já, na China, o Confucionismo desempenhou um importante papel. De acordo com essa filosofia, a harmonia entre os homens só pode ser conseguida quando as pessoas suportam mutuamente a natureza individual de cada um. Confúcio ensinava que preservar essa harmonia é dever de todos e só quando a comunidade reconhece ser incapaz de realizar essa tarefa é que se deve recorrer ao direito positivo e à regulação. Nesse país, a grandeza do território e a população elevada de cada distrito dificultam o acesso aos tribunais, que estão presentes apenas nas grandes cidades. Estima-se que para caso levado aos tribunais, há dez resolvidos por mediação. Os milhares de Comitês de Mediação Chineses, instalados desde 1954, estão fortemente ligados à estrutura social desse país e faz com que a Mediação seja o caminho mais usual para a resolução dos conflitos. A própria Filosofia Confucionista desencoraja a resolução de disputas pela lei, preferindo formas que recomponham a harmonia entre as partes em conflito. Todos esses fatores implicam a abordagem do conflito em uma fase incipiente de desenvolvimento. (in PERKOVICH, Robert. A Comparative Analysis of Community Mediation in the united states and the People's Republic of China. In: Temple International and Comparative Law Journal. Sine loco, Temp. Int'l & Comp. L.J., 1996).
E também há uma questão cultural. O intuito é que a sociedade volte a se comunicar, a se olhar, especialmente a Ocidental, onde a justiça é distribuída, de regra, pela competitividade (muitas vezes estimulada pelo próprio sistema processual) com o decreto do vencedor e do perdedor. Sem perder de vistas, também, o compromisso social de assumirmos a responsabilidade pelo conflito que, muitas vezes, seja por nossa ação ou omissão, co-produzimos.
Nessa linha, fundamental termos em conta que a história do homem, muitas vezes, é cíclica. E essa assertiva parece se confirmar quando se busca a retomada de velhos costumes sociais, como a mediação, a negociação, a arbitragem ou a conciliação; coisas do tempo que o homem, vivendo em sociedade, conversava com outro homem; ou se valia da ajuda de um terceiro, seja juiz, mediador, pretor, jurisconsulto, sacerdote. Aliás, a "tradição clássica" está sendo buscada nas mais diversas áreas, como alimentação, medicação, entre outras.
De outra parte, a epigenética dedica-se às transformações no funcionamento dos genes que, embora não representem alterações do DNA, podem ser transmitidas, transgeracionalmente, de acordo com as condições da experiência vital das células ou dos organismos, ou seja, do ‘ambiente’ em que inseridos. Do mesmo modo, novas informações sobre o funcionamento do cérebro permitem reconhecer que sua estrutura está sujeita ao ‘ambiente’ do organismo portador, ou seja, a sua história, a sua experiência de vida. Assim, a possibilidade de transformação, rumo a uma sociedade mais pacificada e humanizada, diga-se de passagem, mais identificada com sua própria natureza, é cultural e encontra guarida na neurociência e na epigenética que discorrem sobre os efeitos da história comportamental do indivíduo, em sua fisiologia, tornando-o um "organismo modificado". Donahoe, J. W., and Palmer, D. C., 1994, sugerem de que maneira o organismo é modificado fisiologicamente: "Os efeitos seletivos dos ambientes ancestral e individual modificam essa biologia em termos de conexões entre neurônios, dependendo das experiências pelas quais se passa."
Essas novas descobertas da ciência, sobre o cérebro, trazem à tona, de certo modo, questões tratadas por grandes teóricos da Psicologia, especialmente como Vygotsky, que já afirmava que o aprendizado decorre da compreensão do homem como um ser que se forma em contato com a sociedade.
Reafirmando a questão cultural e pedagógica, a partir das vivências conflitivas, sabemos que por milhares de anos a Europa foi o centro de guerras, que culminaram com a Segunda Guerra Mundial. Atualmente, existe uma Comunidade Internacional em Defesa da Paz, pois já retiraram da vivência da guerra os efeitos nefastos e indesejáveis e não querem repeti-la.
Não podemos nos olvidar que esses fatores encontram-se diretamente imbricados com o exercício pleno da democracia e consciência cidadã. E talvez seja essa a verdadeira autonomia da vontade: quando duas ou mais pessoas, conscientes de seus direitos e deveres e necessitando auxílio de um terceiro, neutro e imparcial, constroem uma solução pacífica e menos litigiosa. Quadro ideal de preservação e aperfeiçoamento dos relacionamentos sociais.
Por mais que pareça o contrário, especialmente nesta época de modernidade líquida, preceituada por Bauman, percebo, na mesa de mediação, que não estamos afastados da nossa verdadeira essência... coisas mais básicas como reconhecimento, respeito e pertencimento, por exemplo,- lembrando a pirâmide de Maslow, ainda estão na moda. No fundo, todos querem ganhar, mas não, necessariamente, que o outro perca. E confirmada a Teoria dos Jogos, de John Nash: "quando fizemos o melhor para nós e para o outro, todos ganham".
Reiteradamente, fala-se que os brasileiros são muito litigantes (já que, a grosso modo, considerando-se o número de processos em andamento versus o número de habitantes, temos que os brasileiros estão se digladiando em juízo). Também no "bureau" de mediação, fiz outra constatação: os brasileiros não são litigantes, eles "estão"/"estavam" litigantes, pois não lhes era oferecida outra oportunidade para resolver seus conflitos, que não a via judicial tradicional.
Mas falar-se em Mediação, em Paz, é pouco. É um trabalho sinérgico, desenvolvido a partir de uma noção peculiar de prevenção e de tratamento adequado de conflitos, em sentido amplo, e que integraliza o compromisso e estruturação de instituições e segmentos da sociedade, especialmente os denominados "três poderes" (Executivo, Legislativo e Judiciário).
Nesse sentido, o despertar do "Gigante Brasil" para os métodos autocompositivos, por intermédio do inarredável fomento do Conselho Nacional de Justiça, mostra-se profícuo.
E, nessa senda, a experiência do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, que, além da via judicial tradicional, oferece, por intermédio do NUPEMEC/TJRS (Núcleo Permanente de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos) e CEJUSCs (Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania), outras formas de tratamento adequado e específico de conflitos, como, por exemplo, Mediação, Superendividamento, Oficinas de Parentalidade, Justiça Restaurativa, Conciliação Qualificada, ruma a um Tribunal Múltiplas Portas (“Multi-door Courthouse System”), modelo preconizado pelo Professor Frank Sander, na década de 1970, quando já estudava a insustentabilidade do processo judicial tradicional norte-americano para dar conta de toda demanda.
Quiçá, mais esse despertar seja o anúncio de um moderno Poder Judiciário, comprometido com a democracia, com o desenvolvimento econômico e social, com a concretização de valores de justiça e de eficiência administrativa, culminando com uma nova sociedade mais equilibrada e menos litigante, transfundindo a tão sonhada Cultura da Paz.
O descortinar de novos paradigmas que conduzam a Paz continua sendo o microcaminho a ser buscado, constantemente, por todos que internalizam ser esse o futuro que desejamos.
Penso eu, Willian Ury, Antropólogo, Diretor do Global Negociation Project de Harvard, no livro "Construindo a Paz", encerra a questão:
"A lição e clara: a realidade futura estende-se para muito além do que agora podemos julgar real. Neste novo milênio muita coisa é possível. Por que não o antigo sonho da paz? Uma vez um nobre chinês pediu ao jardineiro que plantasse a semente de uma árvore rara e bela. Quando o jardineiro protestou - "Mas senhor, essa árvore vai levar cem anos para florescer" - o nobre chinês respondeu: "então é melhor plantar hoje". Já que a tarefa de criar uma co-cultura genuína poderá levar uma geração ou mais, não há melhor momento para começar do que agora."
Pratiquemos, plantemos!
Bem-vinda, Lei da Mediação!

MEDIAÇÃO INSTITUCIONAL: PERSPECTIVAS

Genacéia da Silva Alberton – Desembargadora 
Coordenadora do NEM-ESM/AJURIS

Com a vigência da Lei de Mediação (Lei 13.140/15) e previsão de entrada em vigor do novo Código de Processo Civil (Lei 13.105/15), a mediação no Brasil está devidamente respaldada com normativa legal. Não há mais como, no âmbito judicial, escolher se a mediação será ou não aplicada, pois será direito do cidadão levar sua pretensão à mediação pré-processual ou levar a demanda judicializada a uma prévia sessão de mediação.
E para as Comarcas onde não houver CEJUSCs (Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania) será possível instalar serviço de conciliação e mediação.  Existe ainda a possibilidade de mediadores itinerantes que poderão atender determinada Comarca que não tiver serviço próprio.
Pela primeira vez na história do direito processual brasileiro a cooperação está prevista como conduta que se espera dos sujeitos que atuam no processo (Art6º da Lei 13.140). Isso é indício de nova visão do que se entende por acesso à justiça que não mais se resume na recepção de uma sentença de mérito, mas à possibilidade de acesso a outros métodos, os autocompositivos, que são prevalentes em relação ao método adversarial na busca da construção do entendimento.
O Judiciário está preparado para uma nova visão de processo e de atendimento dos conflitos visto que, nos métodos autocompositivos, o centro do poder decisório se desloca do Juiz para as partes. Havendo entendimento, cumpre ao juiz apenas observar se os termos são viáveis, concedendo a chancela estatal de homologação. Os mediandos, efetivos protagonistas, serão auxiliados por facilitadores da comunicação, os mediadores, que não terão controle acerca da questão do ponto de vista processual, pois essa é a tarefa do advogado. Cumpre aos mediadores identificar o comprometimento dos envolvidos na mediação, dando condições para que os mediandos encontrem a solução que mais atenda os interesses dos sujeitos do conflito.
 Se a satisfação do jurisdicionado é uma meta a ser atingida, é preciso que o Poder Judiciário estenda o olhar para o seu interno, servidores e colaboradores. Eles também têm conflitos, também adoecem em virtude de situação de trabalho e precisam ser ouvidos em suas necessidades e interesses. 
É possível, pois, pensar na mediação institucional, num espaço preparado, de acordo com os recursos da mediação, desde o aspecto físico (mesa redonda, sala agradável) à técnica de comunicação e, especialmente, escuta.  Planos pilotos podem ser feitos de forma organizada, contando com um grupo interno preparado para mediar.  Há condições de se pensar em um espaço interno de mediação (Câmara institucional de mediação) formada por profissionais de diferentes áreas que não tenham poder hierárquico, mas que façam parte do setor de apoio interno ou da Ouvidoria.
Se pretendemos desenvolver a mediação, recurso de pacificação para os jurisdicionados, com a mesma escuta ativa em que os cidadãos são recebidos, merecem ser ouvidos os advogados, os servidores e colaboradores terceirizados que atuam no espaço do Judiciário.
A massa inevitável de processo oprime e gera situação de tensão na busca de metas, de superação de dificuldades, de crises que muitas vezes são negadas, mas que se refletem nos relacionamentos.  Se a tensão é positiva como estimuladora do trabalho, quando é demais ela se torna um estopim para desenvolvimento do espiral do conflito. 
Por isso, vale a pena pensar na mediação institucional, buscando espaço para a mudança, para desenvolvimento do diálogo, da prevenção de conflitos e da pacificação interna.