Magistrada Josiane Caleffi Estivalet fala sobre os desafios do Novo CPC aos mediadores e conciliadores do TJ-RS

Por Aline Leão
Advogada e Mediadora Judicial

Os desafios do Novo Código de Processo Civil foi o tema escolhido para o primeiro encontro de Formação Continuada do ano promovido pelo Núcleo Permanentes de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos do TJ-RS, que teve como palestrante a Dra. Josiane Caleffi Estivalet, Magistrada Coordenadora do Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania de Santa Cruz do Sul/RS. O evento contou com a participação da Coordenadora dos Encontros de Formação Continuada do Nupemec, Desembargadora Marta Borges Ortiz; e da Juíza Corregedora, Dra. Clarissa Costa de Lima.

A magistrada compartilhou o seu entendimento a respeito de três pontos importantíssimos trazidos pela nova legislação: a obrigatoriedade da sessão preliminar autocompositiva, prevista no artigo 334 da Lei 13.105/2015; a obrigatoriedade da presença dos advogados durante esta sessão; e as hipóteses de impedimento e suspeição concernentes aos mediadores e conciliadores judiciais. 

Salientando a nova lógica processual, que prioriza em suas normas fundamentais a relação ganha x ganha ao invés da vencedor x perdedor, a magistrada afirmou ser essencial que o Novo CPC seja estudado em conjunto com a Resolução 125/10 do Conselho Nacional de Justiça, que instituiu a politica pública de tratamento adequado dos conflitos de interesse no âmbito do sistema de justiça (e que sofreu uma significativa modificação recentemente); e em conjunto com o Marco Legal da Mediação (Lei 13.140/2015). 

Dra. Josiane explicou à plateia atenta de mediadores e conciliadores que o novo CPC já nasceu revogado naquilo que conflita com a Lei de Mediação, eis que, sendo ambas as leis ordinárias, prevalece a lei específica e mais recente, ou seja, a Lei 13.140/15. 

A obrigatoriedade da sessão preliminar prevista no Código causou polêmica, principalmente porque os meios consensuais de resolução de conflitos são regidos pela autonomia de vontade. Ou seja, as partes são protagonistas no procedimento facilitado pelo mediador ou conciliador, cabendo a elas, unicamente, decidir participar e cooperar para a construção de opções de solução para o conflito que se apresenta. Somente com a disposição dos envolvidos torna-se possível a composição, seja judicial ou extrajudicialmente.

Cumpre salientar que o respeito à autonomia da vontade está entre as normas de conduta que regem a atuação dos mediadores e conciliadores e o bom funcionamento do procedimento, listadas na Resolução 125/10 do CNJ e no Marco Legal da Mediação.

A magistrada ressaltou, ainda, que esta obrigatoriedade se refere e se limita ao comparecimento à sessão. As partes, portanto, não são obrigadas a participar do procedimento. 

O formato da mediação e conciliação judicial prevê que, ao iniciar a sessão, os facilitadores devem realizar uma declaração de abertura que contém todas as informações necessárias a respeito do procedimento e como ele se desenvolve, seus princípios regentes, do papel dos facilitadores, dos envolvidos e de seus advogados. Desse modo, os usuários do sistema de justiça passam a ter pleno acesso à ordem jurídica justa, contemplando o acesso à informação, de forma a se sentirem fortalecidos para decidir participar ou não da negociação facilitada. 

Somente depois da declaração de abertura, com a aceitação de todos, é que o procedimento tem início. Por isso, é de fundamental importância esta fase e a correta execução dela por parte dos facilitadores, de maneira que os envolvidos fiquem confortáveis e seguros em participar da sessão.

O objetivo do legislador com a obrigatoriedade de comparecimento seria, portanto, difundir a autocomposição, de maneira que os envolvidos em um conflito tenham espaço e oportunidade de dialogar, construir suas próprias soluções, e tenham amplo acesso a outras formas disponíveis de resolução de conflitos, que não apenas a jurisdicional.

O magistrado Roberto Lorea, que estava presente no evento, trouxe uma importante contribuição de suas leituras sobre a experiência de outros países que já possuem a mediação regulamentada há muitos anos. O juiz referiu que há compreensões no sentido de que esta obrigatoriedade de comparecimento não fere o princípio da voluntariedade, eis que as partes permanecem com o poder de escolha de participar ou não da negociação facilitada.

A Dra. Josiane trouxe, ainda, os três cenários possíveis de resposta do réu após a citação: manifestar interesse, desinteresse ou silenciar no que se refere à sua participação na sessão autocompositiva. Conforme o §4º, a sessão somente não será realizada se ambas as partes manifestarem, expressamente, desinteresse na composição consensual; ou quando, em razão da matéria ou dos envolvidos, não se admitir a autocomposição. Portanto, caso qualquer uma delas manifeste interesse ou silencie, a sessão será obrigatoriamente agendada. No caso do não comparecimento injustificado do autor ou do réu, há a previsão de multa no §8º do mesmo artigo. Cumpre salientar que, na compreensão da magistrada, o silêncio deve ser interpretado como uma concordância em participar da tentativa de autocomposição. Nesse sentido, o enunciado n. 45 do Fórum Nacional da Mediação e Conciliação:
ENUNCIADO nº 45 – Aplicação do ENUNCIADO 61 do ENFAM – “Somente a recusa expressa de ambas as partes impedirá a realização da audiência de conciliação ou mediação prevista no art. 334 do CPC/2015, não sendo a manifestação de desinteresse externada por uma das partes justificativa para afastar a multa de que trata o art. 334, parágrafo 8º”.

O FONAMEC, tem âmbito nacional, e é composto pelos Coordenadores dos Nupemecs dos Estados e do Distrito Federal e pelos Magistrados dirigentes dos Cejusc. Em sua palestra, a juíza também salientou a importância dos Enunciados do FONAMEC eis que estes passaram a fazer parte da Resolução 125/10 do CNJ:
Art. 12-A (…) § 2º Os enunciados dos Fóruns da Justiça Estadual e da Justiça Federal terão aplicabilidade restrita ao respectivo segmento da justiça e, uma vez aprovados pela Comissão Permanente de Acesso à Justiça e Cidadania ad referendum do Plenário, integrarão, para fins de vinculatividade, esta Resolução. (Incluído pela Emenda nº 2, de 08.03.16)
A obrigatoriedade da presença do advogado na sessão preliminar prevista no art. 334 foi muito bem desenvolvida pela magistrada a partir do princípio da isonomia, e exemplificada pela intensa participação dos colegas mediadores e conciliadores que compartilharam casos práticos para debate e reflexão do grupo. 

É de extrema importância a atuação dos advogados na medida em que estes auxiliam as partes com conhecimento técnico e conferem segurança aos envolvidos. No entanto, quando facultativa a assistência (assim como no Juizado Especial Cível), uma das ocorrências mais comuns na prática diária dos facilitadores que atuam nos Cejuscs, é quando apenas uma das partes esta acompanhada do seu procurador. Na comarca de atuação da magistrada, Santa Cruz do Sul / RS, a saída foi encontrada no Código de Ética da Ordem dos Advogados que prevê a atuação pro bono. A partir disso, foi realizado pelo Cejusc Santa Cruz um cadastro de advogados parceiros, muitos deles recém-formados em início de carreira, que eram chamados a atuar como auxiliares técnicos dos participantes das sessões. 

Nos casos em que a parte manifestar estar confortável em continuar sem a presença de um advogado, a sessão pode prosseguir normalmente, devendo ser consignado em ata a escolha do mediando. Cumpre salientar que o facilitador deve atuar com diligência para que não haja desequilíbrio de poder entre as partes, e informar que, a qualquer tempo, a parte pode interromper a sessão se assim desejar.

Por fim, a Dra. Josiane referiu que os mediadores e conciliadores devem estar atentos as causas de impedimento e suspeição, agindo sempre com ética e imparcialidade, sendo seu dever informar aos envolvidos quando for o caso, interrompendo a sessão e solicitando a sua substituição. “Tudo o que afasta o juiz, afasta o mediador”, ressaltou a magistrada.

Brilhante e esclarecedora a exposição da Dra. Josiane, que escolheu aprofundar pontos importantes trazidos pela nova legislação. Além disso, a palestrante não perdeu de vista as características dos métodos autocompositivos no formato escolhido para a abordagem, pois buscou através da sua fala promover a reflexão, o diálogo e a participação dos colegas mediadores e conciliadores; bem como utilizou-se de linguagem jurídica clara e acessível, de forma a contemplar a multidisciplinaridade destas técnicas que abrigam integrantes de diversas áreas do conhecimento. 

A história de Fernão Capelo Gaivota

Por Josi Magalhães, Mediadora Judicial e integrante do NEM

A obra escrita por Richard Bach fala sobre um bando de gaivotas, tendo como personagem a ave conhecida como Fernão Capelo Gaivota, diferente das demais porque não se preocupava apenas em cumprir com o principal objetivo da sua espécie. Fernão buscava superar-se, ir além. Os companheiros, por acharem suas ideias absurdas, encontram consenso em expulsá-la do bando. Tempos depois, Fernão encontrou mais gaivotas que buscavam os mesmos propósitos. Nesse meio no qual se inseriu, pode aprender muito e, fazendo uso deste novo conhecimento, atingiu seu objetivo e se satisfez quanto ao caminho que havia vislumbrado para si. Por certo que essa história é uma metáfora sobre acreditar nos próprios sonhos, buscar o que se quer, mesmo quando tudo parece conspirar contra isso. O escritor faz reflexões sobre as pessoas, a sociedade, a quebra de paradigmas e a superação de limites.

Este livro me fez refletir sobre a importância de continuarmos lutando em busca da pacificação social. Por muito tempo isso foi apenas um sonho e recentemente está grafado como realidade dentro do Ordenamento Jurídico Pátrio. Modificar vícios arraigados por séculos, conceitos e preconceitos de quem nos chegue com desavenças para resolver, com toda compreensão e acolhimento.

Neste momento histórico, o Judiciário Brasileiro mostra que quando se trata de evoluir devemos pegar o infinito com uma mão e prender a eternidade no espaço de uma hora. Assim surgiu a Mediação como Política Pública Judiciária que possui entre os seus objetivos a função pedagógica de mostrar as pessoas que elas podem resolver conflitos entre si, sem precisar de intervenção externa, usando o bom senso unido a razão, sempre filtrando tudo com o coração!

Assim, somos, enquanto mediadores, estamos multiplicando em muitos mais uma certa Gaivota, que um dia foi apelidada de Fernão Capelo Gaivota.