NEM Memória: Homenagem a Dra. Rosana Garbin

O NEM Memória tem o objetivo de reconhecer o trabalho de pessoas que colaboraram para o desenvolvimento do Núcleo de Estudos de Mediação, assim como para o desenvolvimento da Mediação no Estado do Rio Grande do Sul. Nesta edição, a homenageada é a Dra. Rosana Garbin, Vice-diretora da Escola da AJURIS e Juíza titular da  4ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de Porto Alegre.

Competência e Serenidade

Integrante do Núcleo desde a sua organização, conheci a Magistrada Rosana Garbin em 2004. Comunicativa, era uma entusiasta do tema mediação. Criativa, colaborou na elaboração do texto de divulgação da Mediação Comunitária em 2007. A implantação do Projeto Lomba do Pinheiro foi um período de sonho que se tornou realidade. O contato com os agentes comunitários, a vivência com pessoas preocupadas com o local onde moravam e dispostos a fazer a diferença, cooperando no atendimento de conflitos, tudo nos animava. E a Dra. Rosana Garbin ministrava aula, conversava com os agentes, se encantava e participava ativamente das reuniões semanais, pois éramos poucos e havia muito a fazer. Eu sabia que podia contar com a Dra. Rosana, que passou a ser mais que uma colega, mas uma pessoa com quem gostava de conversar e compartilhar propostas. Tínhamos a esperança comum de que, algum dia, a Mediação estaria no Judiciário. Novos projetos na área da Bioética foram afastando a Dra. Rosana do Núcleo de Mediação. E veio o Doutorado em Portugal, sua atuação intensa na Rádio da AJURIS, mas a nossa amizade foi se fortalecendo. Sempre que possível trocávamos informações via e-mail. Como Vice – Diretora da Escola Superior da Magistratura a Dra. Rosana continua a dar apoio a todos os Núcleos, atuando com competência e serenidade. Sim, a Dra. Rosana tem a habilidade dos artistas, que fazem movimentos inesperados e complexos com a leveza de quem sabe, com a simplicidade de quem acredita e realiza.

Obrigada, Dra. Rosana por sua contribuição ao NEM, por sua capacidade de produzir e por sua autenticidade em que cada espaço que ocupa. Amiga, mereces a saudação da equipe NEM. 
Receba a nossa gratidão.

Desembargadora Genacéia Alberton
Coordenadora do NEM

Com a palavra, Dra. Rosana Garbin.


A carreira e o encontro com a Mediação
Sou Juíza de Direito desde o ano de 1990, no Estado do Rio Grande do Sul. Iniciei a minha carreira da magistratura no interior, passando por Comarcas como Palmeira das Missões, Lagoa Vermelha, São Sebastião do Caí.  No ano de 1998 fui promovida para a Comarca de Gravataí. Nessa ocasião iniciei o curso de mestrado em direito realizado em parceria pela Escola Superior da Magistratura e a Universidade do Vale dos Sinos - Unisinos. Foi quando passei a me interessar pela mediação. O professor José Luis Bolzan e Morais foi meu orientador na dissertação intitulada “Família e Jurisdição: para a manutenção dos afetos”, que tratou do tema da mediação familiar. No mesmo ano, a professora Liane Busnello Thomé, então coordenadora do serviço de assistência jurídica da ULBRA de Gravataí, me procurou com um projeto para realização de mediações nas ações judiciais. Abri o espaço para o projeto piloto, o que ocorreu ainda no ano de 1999, com um resultado positivo no tratamento dos conflitos. A disponibilidade dos professores da ULBRA para as diversas tentativas de utilização de métodos autocompositivos permitiu que experimentássemos a sua aplicação em fases diversas do processo. Mesmo nos processos em que a composição pelas partes não foi possível, era nítido os benefícios na continuidade do processo pela via judicial. Embora não tenha participado diretamente de sessões de mediação, estudar sobre conflitos permitiu compreender toda a dinâmica que envolve o litígio judicial, e desta forma auxiliar na condução de processos. O projeto teve duração de cerca de dois anos, atendendo várias ações da área de família. Promovida para Porto Alegre, fiquei vinculada ao núcleo de estudos de mediação da Escola da AJURIS, desde sua criação. Ao longo dos anos, o núcleo contribuiu para a minha maior qualificação na área e também permitiu a participação em projetos que foram realizados, como o da mediação comunitária, no qual atuei na capacitação de mediadores e na difusão da ideia da mediação.


Dra. Rosana Garbin; a Advogada e Professora Universitária, 
Dra. Liane Busnello Thomé; e o Presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família  – IBDFAM /
Seção Rio Grande do Sul, Dr. Conrado Paulino da Rosa.

NEM
Tive o privilégio de ingressar no Núcleo de Estudos de Mediação na sua formação. De imediato, o núcleo tornou-se um espaço para debates e troca de experiências em diversos temas vinculados à mediação. O núcleo, pelo trabalho incansável de seus coordenadores, foi e é o responsável por difundir as práticas autocompositivas, congregando profissionais de diversas áreas, que se reúnem com habitualidade e sempre unem forças para realizar diversos trabalhos, tanto de conscientização como de efetivo trabalho na mediação. A reunião de pessoas com um interesse afim demonstrou ser essencial para a difusão de uma nova cultura.


"Para além do trabalho realizado ao longo desses anos, criou-se também uma amizade genuína que decorre em grande parte da sintonia por uma ideia de justiça e paz".

Mediação Comunitária na Lomba do Pinheiro


Uma das melhores experiências de que participei foi o projeto de mediação comunitária realizado pelo NEM em parceria com o CPCA - Lomba do Pinheiro, em Porto Alegre. O projeto teve engajamento pessoal dos membros do núcleo de estudos. Participei tanto na formação dos mediadores, como na educação continuada e no acompanhamento de sessões de mediações que eram realizadas.  Inicialmente, foi realizada uma cartilha que continha uma breve história em quadrinhos que apresentava as vantagens de realização de uma mediação. A cartilha foi utilizada para difusão da prática da mediação. Na sequência foram selecionadas pessoas da comunidade interessadas em participar. Na formação do quadro tive oportunidade de estar presente na comunidade convivendo com os futuros mediadores onde pude verificar a clara transformação por que passaram.

Jurisdição e Jurisconstrução
A atividade de um magistrado é de grande importância na sociedade. Contudo, embora também tenha por finalidade a solução do litígio, o tratamento formal e hierarquizado, o distanciamento das partes e dos fatos e a imposição da decisão fazem com que o resultado final nem sempre atenda o interesse dos envolvidos. Um dos grandes problemas no tratamento dos conflitos atualmente é o incentivo a litigiosidade, que acaba por transferir importantes decisões da vida para um terceiro não envolvido no conflito. É bem verdade que a imparcialidade do magistrado possibilita uma leitura desapaixonada do conflito. Contudo, em situações próprias de mediação, como é o caso de relações de trato sucessivo, a decisão desse terceiro imparcial, mesmo que solucione o caso pontual, não tem o condão de tratar o conflito que irá se apresentar na sequência em um novo conflito ou em uma nova demanda. A decisão, quando parte da própria pessoa envolvida no conflito permite que a solução seja construída diante da realidade da relação existente e compromete os envolvidos no cumprimento da decisão.

Dra. Rosana Garbin e o Presidente da Escola da Ajuris, Des. Cláudio Luís Martinewski.

Métodos autocompositivos e a inclusão legislativa
O acolhimento legislativo das práticas autocompositivas de tratamento dos conflitos é um marco no tratamento dessas práticas. Embora favorável ao tratamento em outras esferas que não a judicial, reconheço que a inclusão dessas práticas via Poder Judiciário tem o efeito benéfico de auxiliar na mudança de mentalidade. No Rio Grande do Sul é nítido o espírito belicoso e litigante da nossa população. Quando atuei como advogada, presenciei a manifestação de um cliente com um ‘dito’ popular: “dou um boi para não entrar na briga, mas gasto uma boiada para não sair dela”, o que bem traduz a ideia e espírito do litígio, no qual as pessoas têm o ganho no fato de litigarem e não no resultado da contenda. É perceptível na condução de algumas ações judiciais que as pessoas parecem se esquecer do interesse que os fazem mover o processo para se preocuparem apenas com a manutenção do litígio. A inclusão de métodos autocompositivos no ambiente processual difunde a ideia, permite um novo espaço para o tratamento do conflito e uma decisão compositiva entre as partes. 

Dra Rosana Garbin no Memorial do Judiciário.

Autonomia, diálogo, escuta e pacificação social.
As práticas autocompositivas pressupõem o exercício da autodeterminação das pessoas e a conscientização de que a composição traz ganho, quer no envolvimento das partes, quer na criação de um melhor canal de diálogo que permita prevenção de conflitos futuros. Um dos grandes problemas nos conflito é a ausência de comunicação entre os envolvidos. Desenvolver a escuta ativa, a capacidade de diálogo construtivo com identificação de interesses comuns, que permitam descobrir o ponto de equilíbrio, é uma demanda importante para toda uma sociedade que se pretende plural e tolerante. A despeito dos grandes avanços, em especial em razão da inclusão legislativa dessas técnicas, as práticas autocompositivas ainda exigem maior divulgação e esclarecimento, de forma que a busca por esses métodos de tratamento dos conflitos partam do interesse das próprias partes. 


"Ainda que não se possa evitar 
os conflitos ao longo da vida é 
possível aprender a lidar com eles 
de forma construtiva".