Semediar com AMOR

Texto de Henrique Alam de Mello de Souza e Silva, Semediador. 

Quanto mais conhecemos o trabalho de grandes mediadores, mais nos motivamos a fazer um trabalho
melhor. Olhamos para mediadores que são referências locais, como alguns professores ou estudiosos da Mediação; vemos o trabalho de mediadores regionais ou nacionais, que dão palestras e cursos para um grande número de pessoas, e que (espera-se) trabalharam em casos difíceis de mediação envolvendo múltiplas partes ou comunidades. Temos, ainda, mediadores que alcançaram um nível internacional, fazendo conexão entre grandes grupos ou países. Independentemente do nível em que eles estão (ou que nós  estamos), sempre haverá pessoas para termos como referências. A essas pessoas chamo de “semediadores”.

E como fazer para alcançarmos o melhor de nós? Sim, porque o que queremos não é alcançar o mesmo nível dessas pessoas: elas devem ser  nossas  referências, nossos parâmetros, mas ninguém melhor a superar ou a atingir do que a nós mesmos. Pois bem, como fazê-lo?

A resposta poderia ser dada de várias maneiras — e todas elas terão como base a prática da mediação aliada à leitura —, mas creio que seja possível um norte para iniciarmos nossa melhora individual, resumido numa bonita sigla: AMOR.

“A”, de “autenticidade”. A letra inicial da nossa dica é, sem dúvida, o objetivo mais difícil de ser alcançado. Comecei nossa reflexão  dizendo  que  admiramos  pessoas, que reconhecemos o trabalho que os outros fazem; afora isso, sabemos que há mediadores que escreveram verdadeiras obras sobre mediação, que têm insights sensacionais, que nos envolvem com  seus  cursos  e  suas  aulas  (eu  próprio,  enquanto escrevo essas linhas, lembro de  tantas  mulheres  e  homens  que  representam pra mim o meu melhor adubo para a semediação!).

Entretanto, o que o mediando busca em nós não é  a  encarnação  de  um  “Como chegar ao sim”, nem a elegância da Tânia, ou o sorriso da Izabel, nem a precisão cirúrgica do Marcelo, o conhecimento da Ana Valéria, ou a fala calma do Cláudio, nem a paz no olhar da Vanderlei. São características  boas, e devem ser inspiração  para nós. Mas os mediandos que procuraram nosso trabalho esperam de nós que sejamos — mais do que qualquer coisa — autênticos. É preciso valorizar as  qualidades dos outros, desde que as nossas próprias tenham igual prestígio por nós mesmos. Se as pessoas a quem atendemos na mediação pudessem escolher entre confidencialidade e autenticidade, tenho plena convicção de que optariam por mediadores autênticos, e neles passariam a    confiar.

Autenticidade (é bom que se diga) não tem a ver com “ser como se é, e ponto!”. Isso seria, na melhor das hipóteses, arrogância. A autenticidade que aqui me refiro  é ter muitos bons exemplos, e segui-los na exata medida da naturalidade.

“M”, de “metodologia”. Em todos os cursos e livros básicos ou avançados somos informados de que existem “mediadores natos”. Com frequência, utilizam a imagem  da mãe com os filhos, ou de alguma professora ou outra profissão ou tarefa que medeie conflitos. Assim é. Em certo sentido, somos todos potenciais mediadores tais qual a semente é uma árvore em potencial. E, por mais que tenhamos que buscar a autenticidade, não poderemos deixar de ter uma metodologia, porque também não há árvore sem raiz.

Num panorama atual, percebemos que há, basicamente, três métodos de mediação: a facilitadora, a avaliativa e a transformadora, que são subdesenvolvidas em muitas outras. Não há tempo para entrar aqui em explicações ou opções por um ou outro método, mas é interessante  que os tenhamos em conta, para servir de base na nossa atuação. A metodologia será nosso ponto de partida, pois indicará a postura frente aos mediandos, as leituras que faremos e os resultados que queremos obter. Também será parâmetro para aperfeiçoarmos ou desenvolvermos outros métodos, jamais podendo ser para nós uma forma de aprisionamento, mas sim de chão firme para apoiarmos nossos pés. Grandes semediadores têm, portanto, autenticidade e metodologia.

“O”, de “organização”. Semediadores devem ser pessoas  organizadas,  no  sentido mais amplo que possa ser entendida  a  qualidade  da  organização.  Talvez  comecemos pela nossa agenda, quando combinamos  a  data  do  primeiro  encontro com os mediandos ou quando reagendamos as sessões. Não é bom  sinal  deixar  alguém esperando, ou ter que transferir os encontros por falta de organização. Os encontros devem sempre acontecer nos  horários  agendados,  até  porque  pode  ser que nosso atraso seja ponto de reforço para a espiral conflitiva, ou — pior ainda! — causa para romper-se a confiança antes depositada.

A organização perpassa também por outro campo: aquilo que devemos estudar. Atualmente quase não temos dificuldade de encontrar bons livros de mediação, produzidos aqui ou traduzidos. Mas poucos — pouquíssimos —  anos  atrás,  era  difícil achar obras boas em português, e a compra pela  internet  acabava  desmotivando pelo alto preço a ser pago com o frete e os impostos.

A produção de muitas e boas obras deve ser um alerta para os mediadores afeitos da leitura: há que se ampliar o conhecimento, mas é bom ser organizado no que se lê. A frenética procura por livros pode acarretar compras  desnecessárias  e  assuntos que poderão nunca ser trabalhados. Em contrapartida, aquele que  se dedica bem a um tema (ou, pelo menos, a um tema por vez) terá mais chances de oferecer um trabalho mais sólido e organizado.

“R”, de “reciclagem”. Todos os meus grandes mestres, vi isso conforme foi passando o tempo, tiveram ou têm períodos de reciclagem. E, quanto mais admiro um professor, mais sei que é também decorrência das novidades que me apresentam.

A reciclagem é irmã gêmea da coragem e da humildade. Andam juntas, inseparáveis. Não há reciclagem sem humildade, porque não é fácil reconhecer que somos seres em evolução, que os conflitos de ontem não são os mesmos de hoje, que o contexto não é o mesmo se comparado a quando começamos a trabalhar com mediação.  E,  para  se  reciclar,  é  importante  —  melhor,  é  fundamental  —  ter coragem. É a coragem a responsável pelo nosso melhor desenvolvimento pessoal,   é aquele desacomodar-se, é o pensar fora da caixa, é a saída da zona de conforto. Sem coragem não há reciclagem, nem mesmo há humildade, porque se reconhecer necessário de mudança é também um ato corajoso.

Essas são minhas impressões sobre o que tenho visto de boas características dos grandes mestres, sejam eles famosos ou anônimos. Pessoas que se destacam com seus carismas pessoais e que contribuem significativamente para o meu crescimento e, sobretudo, para a minha vontade de ser melhor.

O segredo de todas elas (agora revelado!) é aquilo que sempre foi evidente, e que sustenta todo o trabalho: o AMOR!